Capítulo 7 - O maior clichê do mundo

João bateu à porta e Céu não demorou a abri-la.

- Entre. — Disse ela- e foi correndo na direção da cozinha. Ele a seguiu com o embrulho que ela nem havia notado e o vinho na mão.

- Desculpe, fiquei com medo que a carne virasse carvão.

Nossa, pelo visto as chances deles terem que pedir comida eram grandes.

Ele caminhou em direção a ela e entregou o vinho.

- Olha, eu trouxe um vinho, eu não sei se você bebe, a gente não chegou a falar sobre isso. Bem, pensando agora, eu também não sei se você pode beber, se ainda está tomando algum remédio. Talvez tenha sido uma ideia ruim.

- Relaxa, ta tudo bem. Eu terminei o tratamento no hospital mesmo. E, eu bebo, sim, socialmente, mas com bastante frequência.

Ele achou graça no comentário e sorriu. Ela olhou para o embrulho que ele ainda carregava.

- Ah, e eu estava andando pelo centro, vi isso e achei a sua cara. É um presente pela repaginação da casa.

- Hum, muito obrigada. – Ela abriu o embrulho, e arregalou os olhos ao ver o quadro.

- Meu Deus! Ele é lindo. É muito a minha cara, eu amei. Muito obrigada!

Juntos eles penduraram o quadro em uma parede, em que já havia tido um retrato antigo que ela havia se livrado a algum tempo. Ela voltou para a pequena cozinha, e seguiu atenta as panelas. Ele a seguiu e sentou no minúsculo banquinho que havia junto a mesa.

- E então o que a gente vai ter para o jantar?

- Strogonoffe. Eu amava quando a minha mãe fazia, então peguei uma receita na internet.

- Hum, o cheiro esta bom. Eu já ouvi falar, mas nunca comi.

Ela o olhou incrédula.

- Ta dê brincadeira né? Por acaso você é rico? Todo o pobre ou classe média já comeu strogonoffe na vida. – Ele ficou inquieto com o comentário dela.

- Mas a minha família nunca teve o hábito de fazer.

- Então ta, mas acredito que essa será uma péssima referência para uma primeira vez. Não é um prato que eu costume fazer, eu avisei quando o convidei. Mas não precisa ficar apertado aí, pode ir sentar na sala, eu já vou lá.

- Não. Eu estou bem aqui. Acabou que a gente não conversou muito, eu ainda sei pouco sobre você.

- Então já está melhor que eu, porque eu não sei quase nada sobre você. O que eu sei é que se mudou para cá enquanto eu estava no hospital e trabalha em casa. Não sabe quem é o JOE, ou seja, passou os últimos anos em Marte pelo visto. – ele sorriu.

- E eu sei que você gosta de assistir filmes e séries, que trabalha em uma empresa de limpeza, e que se vira sozinha desde muito nova.

- Acredite, já sabe mais do que a maioria das pessoas. Como você lembrou bem, eu gosto de assistir TV, amo ler também, eu lia muito desde pequena. E no abrigo a biblioteca era bem grande. Recebíamos muitas doações. Romance é meu gênero favorito.

- Romance, romance mesmo?

- Sim. Romance do tipo adulto.

- Desses que estão na moda agora? – Ele não pode evitar a associação direta com Cinquenta Tons de Cinza, que na sua opinião tinha tristemente se tornado referência mundial. Ele ficou surpreso, e curioso. Mas achou melhor de momento não fazer nenhuma pergunta mais ousada.

- E deixavam ter esses livros na biblioteca de um abrigo para crianças?

- Como eu disse, eram muitas as doações, não tinha como ter muito controle. Alguns eu mesma selecionava e deixava em um lugar mais escondido. Depois, quando eu fui ficando maior, eu mesma passava nos sebos no caminho da escola para trocar tipo dois por um.

Seguiram conversando sobre gostos e trivialidades enquanto ela ia aprontando a comida. Em meio a conversa amena, João a observava cozinhar e apesar de ter feito muitas coisas, com muitas mulheres diferentes, duvidava que em algum momento tivesse vivido uma cena mais íntima que essa.

Jantaram e depois foram assistir aos outros episódios da série de suspense. Assistiram enquanto conversavam sobre os atores, as atuações e o enredo que era de fato muito interessante. Na verdade, a produção se mostrou ser uma mini série, com apenas três episódios. Como ainda não estavam cansados, resolveram iniciar outra produção.

- Eu acho que antes de iniciar outra série, podíamos ver um filme, para dar uma limpada na mente. Uma coisa mais leve.

- Tudo bem, pode escolher um para nós.

- De que tipo você gosta?

- Pode ser qualquer um, confio no seu bom gosto.

- Ta, mas, eu não tô a fim de ver nada muito pesado ou profundo. Bem pelo contrário, to precisando de uma coisa leve.

- Bota um romance, ou então uma comédia.

- Tem esse novo que entrou – comentou ela, zapeando com o controle remoto.

- Por mim, pode ser.

- Jura que não vai ficar enchendo o saco por ter que assistir um romance?

- Olha, se fosse antigamente, até seria possível. Mas se tem uma coisa que eu estou aprendendo com você é a não ter preconceito. Terror não era nem de longe meu gênero favorito, mas essa série que nos vimos, foi bem legal, então, vamos lá, por que não?

Céu teve que rir do otimismo dele.

- Tudo bem, e lá vamos nós. – ela apertou o play e o filme iniciou. Tratava-se de um clichê bem corriqueiro de um casamento de conveniência. A história era manjada, mas o enredo era bem engraçado. O casal tinha química e passavam por poucas e boas. Ao final, como era esperado, eles se descobriram irremediavelmente apaixonados, o amor venceu e eles ficaram juntos no seu, felizes para sempre.

- Bom, não foi tão ruim. - Disse ele.

- Eu até achei bem divertido, bem clichê, mas, eu gostei.

- Sim, mas agora podemos explorar outros gêneros mais instigantes.

Ele virou a cabeça em sua direção, inclinou o pescoço e o encarou.

- O que é isso, senhor coração de pedra? Aí dentro bate um cubo de gelo, ou é a casa da Elsa? Não ficou comovido com a vitória do amor?

Ele riu com o seu tom de exagero.

- Eu já disse, não é minha categoria favorita.

- E na vida real? É tão cético assim quanto aos sentimentos do coração? – ela perguntou dramaticamente.

- Na vida real isso não existe!

Ela fingiu uma expressão de espanto.

- Que homem mais frio, só de estar aqui do seu lado já estou começando a congelar.

- Engraçadinha, até parece que você é uma referência no assunto. Até onde eu sei, do que você mais entende é de livros de gosto duvidoso feitos para senhoras carentes de emoções.

- Rapaz, não ouse falar sobre o que você não conhece! – Ela falou apontando o dedo próximo ao rosto dele, em sinal de alerta. Ele pegou o dedo dela e abaixou, seguindo o assunto.

- E sobre namoro e casamento na vida real, essas coisas? - Ele questionou.

- Eu não costumo me dedicar muito a esses temas.

- Mas você não pensa em se relacionar com alguém em algum momento?

- Acho que sim, mas o que me incomoda um pouco são esses rótulos, as pessoas enquadram muito. Namoro, noivado, casamento, isso não é o mais importante, eu penso que o vale realmente é encontrar alguém para compartilhar a vida, com tudo de bom e ruim que ela traz.

- Nossa, que poético isso, mas é verdade, geralmente as pessoas estão muito preocupadas com os rótulos. Mas seja mais específica, o que você acha que procura no amor?

- Sei lá, só o de sempre. Como diria o Frejat, procuro um amor, que ainda não encontrei, diferente de todos que amei. Não necessariamente uma razão para viver, mas com certeza que me faça esquecer as feridas da vida! Mas o principal ainda é, que seja bom para mim.

Ele a encarava com o olhar terno, pensando, que aquela mulher merecia aquilo e muito mais, e não pode evitar pensar que a parte que o correspondia nessa música era aquela que dizia, e eu vou tratá-la bem, para que ela não tenha medo, quando começar a conhecer os meus segredos.

- Mas e você, o que esta procurando? – ela perguntou, interrompendo seus pensamentos.

Se ele tivesse metade da falta de filtro dela, nesse momento ele teria respondido – Eu nunca estive tão próximo de encontrar! – Mas não foi o que ele respondeu.

- Não sei, não fazia parte dos meus planos para um futuro próximo. Sempre foi eu em primeiro lugar, e tudo que eu fazia sempre foi pensando em mim. A vida costumava ser só trabalho, farra e mulheres. Mas nenhuma que eu, por exemplo, lembre algo mais que a cor do cabelo, a maioria nem lembro o nome. - Desabafou.

Ele o encarou por um momento.

- Nossa, garoto, você tem ciência de que acabou de pintar um retrato horrível de si mesmo, não é? Sério, o pior possível para uma mulher ouvir. Sorte a sua que fui eu. Mas vamos fazer assim, quando você estiver com uma garota de verdade, você não vai falar nada disso. Não precisa mentir, mas também não precisa se auto sabotar assim!

- Como assim, uma garota de verdade? Você é de mentira por acaso?

- Nem vem, eu sei que entendeu o que eu quis dizer. Alguém que você queira impressionar de verdade.

Ele fez uma expressão como se estivesse ofendido.

- Eu não acredito que escutei isso! Eu aprendi a pintar no Youtube para te ajudar, dormi em um sofá bem menor do que eu, e passei um dia inteiro escolhendo móveis para a sua casa. Você acha que eu fiz tudo isso, e não tinha a intenção de te impressionar?

- Para João, eu reconheço que você se esforçou muito para me ajudar e tentar ser meu amigo, mas não é disso que a gente esta falando. Estou me referindo a alguém que você vai querer levar para cama, por exemplo.

Ele ficou incomodado com o comentário dela, às vezes ate nos assuntos mais aleatórios ela acabava encontrando um jeito de se diminuir. Ele se levantou para ir para casa.

- Eu não sei por que fica falando essas coisas, você não sabe com quem ou com que tipo de mulher eu quero ir para cama!

Ela não deu o braço a torcer naquilo que havia se tornado uma pequena discussão.

- Eu com certeza faço uma ideia. Loira, magra, estilo modelo. Muito peito e pouco cérebro. Mas principalmente uma que vá saber o seu lugar e não vai esperar uma ligação no dia seguinte.

Ele ficou ainda mais furioso, porque ela estava certa, ou pelo menos costumava ser esse o estilo dele. Mas agora, ela não poderia estar mais errada. Toda a tensão sexual presente atualmente em sua vida, estava em momentos como aquele. As discussões, brincadeiras e até mesmo em assistir um simples filme, mas com essa mulher. A morena baixinha, de língua afiada e com o rosto salpicado de sardas. Com certeza essa tinha sido uma péssima ideia. Ele definitivamente estava enlouquecendo.

- Eu não vou nem te responder. Vou embora antes que a gente brigue feio. – E saiu pela porta, confuso em como lidar com a descoberta desses sentimentos.

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